Minha história com a Fonte Nova começou em 1977, quando eu tinha 4 anos de idade. Mas a história do Otávio Magabeira com a minha família começou bem antes. Para ser preciso, na época da sua construção, de 1947 a 1951, se não me engano. É que meus avós, meu pai e meus 2 tios moravam na Ladeira da Fonte das Pedras e o muro do quintal da casa deles era o muro do estádio. Meu avô, tricolor doente, chegou a fazer um buraco no muro. Ali ele sentava confortavelmente e acompanhava as pelejas do novo estádio. Alguns anos se passaram, meu avô faleceu e, para construir o segundo lance de arquibancadas da Fonte Nova, minha avó, que a essa altura já morava sozinha, teve que se retirar dali. É isso mesmo. A casa em que meu pai cresceu foi demolida para que o segundo lance de arquibancadas da Fonte Nova fosse construído. Aliás, quando a Fonte Nova foi reinaugurada, em 1970, fizeram uma rodada dupla para comemorar. Na preliminar, Bahia x Flamengo, no jogo de fundo, Vitória x Grêmio. Meu pai, que já havia visto o Bahêa dele ganhar de 1x0 com gol de Zé Eduardo, estava voltando para casa, tranquilamente, andando pelas ruas dos Barris, quando aconteceu o incidente que vitimou tanta gente. Acontece que um grupo de rapazes, resolveu aprontar uma correria no último piso do recém-inaugurado 2º lance. Como a estrutura tremeu, algumas pessoas acharam que a construção iria ceder. Pânico geral, muita gente se jogando na arquibancada inferior... E minha mãe, em casa, vendo tudo pela TV Itapoan, achou que meu pai estava entre as vítimas. Pouco depois, sem saber de nada, meu pai chegou em casa sem nenhum arranhão. Para alívio geral.
Meu pai foi criado aí. Nem precisava sair de casa pra ver o Bahêa jogar!
Voltando a 1977. Lembro que estreei em um Bahia x Galícia. Sei que o Bahia ganhou de 1 a 0. Sei que foi em maio. Só não lembro se foi dia 8 ou 29. Deste dia até o fatídico 25 de novembro de 2007, 30 anos depois, estive presente nos grandes momentos tricolores na velha Fonte. No início, assistia os jogos atrás do gol da ladeira. Afinal, ia com meu pai, e ele havia se acostumado a ver o jogo naquela posição. A mesma posição do muro do quintal da casa que ele morava. Estava lá no heptacampeonato baiano, vendo aquele gol histórico de Fito, do meio da rua, com um frango de Gelson, goleiro rubro-negro. Foi de lá também que eu vi uma proeza que só um time com a estrela do Bahia pode realizar. Para se classificar à 3ª fase do campeonato brasileiro de 1981, em um grupo que também tinha Corinthians e Ponte Preta, o Bahia tinha que vencer o Santa Cruz na Fonte Nova por 5x0. Feito alcançado aos 41 minutos do segundo tempo com um gol de Toninho Taino. Incrível! Foi também atrás do gol da ladeira que vi, em 1986, um timaço do Bahia, comandado por Bobô e Cláudio Adão, ganhar também de 5x0, só que dessa vez do nosso arqui-rival Vitória. Um show de bola inesquecível. Em 1988, ano do título, fui a todos os jogos, sempre acompanhado de meu pai. Sempre vibrando atrás do gol da ladeira. Sempre com a mesma roupa. Um pouquinho de superstição não faz mal a ninguém, né? Destaque para outro 5x0, dessa vez em cima do Santos de Sócrates, a incrível semi-final contra o Fluminense, com mais de 110 mil pagantes e o primeiro jogo da final contra o Inter. Nesses dois últimos jogos, o Bahia saiu atrás no placar e contou com a força da torcida para virar o marcador: 2x1 nos dois casos.
Tempo bom. Vai voltar, com fé em Deus!
O tempo foi passando, fui ficando mais velho e passei a frequentar a Fonte Nova com os amigos. A partir daí, só via os jogos atrás do gol da ladeira quando meu pai estava comigo. Na maioria das vezes, ia para a Bamor. E foi de lá que vi o famoso gol de Raudinei contra o Vitória, no empate de 1x1, aos 46 minutos do segundo tempo, que deu o título de bi-campeão baiano ao tricolor. No últimos 10 anos de Fonte Nova, mudei de lugar mais uma vez. Passei a acompanhar os jogos na arquibancada especial, ao lado das cadeiras superiores. Acompanhado de meu irmão e alguns amigos, vivi ali mais tristezas do que alegria. O Bahia foi bi-campeão do Nordeste, fez jogos memoráveis, como o 5x4 contra o Internacional, mas também caiu para a segunda e a terceira divisões. E foi exatamente no último jogo do tricolor na terceira divisão que eu pisei a Fonte Nova pela última vez. Naquele 25 de novembro de 2007, a Fonte Nova estava linda como sempre. Pintada de azul, vermelho e branco, vibrava junto com a torcida, parecia fazer eco com os gritos dos tricolores, parecia crescer para intimidar o Vila Nova, parecia empurrar o Bahia em suas tentativas de ataque. A massa de concreto armado em forma de ferradura parecia saber que era o seu último espetáculo. O jogo terminou 0x0, a morte dos 7 tricolores que caíram com o desabamento de parte da arquibancada foi terrível. A despedida foi dolorosa para todos nós. Mas a imagem que ficou foi deslumbrante. A Fonte Nova sempre foi o estádio mais bonito do mundo. Porque ali não se via concreto, só gente. Não se ouvia shows de rock, apenas o pulsar do coração de milhares de torcedores que ia crescendo, vibrando, aumentando de volume até explodir em um grito.
Visão da Arquibancada Especial, onde ficava nos últimos 10 anos de Fonte Nova.
Assisti a demolição da Fonte Nova pela televisão. Nunca achei que teria coragem de ver aquilo lá de perto. Até duvidava que conseguiria assistir pela telinha. Titubeei na hora. Mas liguei o aparelho e assisti. Assisti e chorei muito. Não chorei como o menino que se assustava nos primeiros gols. Não chorei como o adolescente que se emocionava com os primeiros títulos. Não chorei como o adulto que se entristecia com as primeiras grandes decepções. Chorei como uma criança que perde o brinquedo favorito, como um jovem que perde a primeira namorada, como um homem que perde um companheiro. A Fonte Nova foi tudo isso pra mim.
Era muito mais que um estádio. Quem frequentou sabe.
Em 2009, quando meu filho fez 4 anos, resolvi levar ele ao estádio pela primeira vez. Podem achar que é superstição. Às vezes, até eu acho que é também. Não havia mais Fonte Nova e Pepeu estreou em Pituaçu, em um jogo da segunda divisão contra o Ceará. Sei que o Bahia ganhou de 1 a 0. Sei que foi em maio. Só não lembro se foi dia 22 ou dia 23. Tá, podem chamar de superstição. Às vezes, até eu acho que é também... O fato é que ali, uma outra história começou a ser escrita. Hoje, com o nosso tricolor de aço de novo na primeira divisão, ele vai a praticamente todos os jogos. E a primeira vez que viu o time querido dele perder foi contra o Santos de Neymar e Ganso por 2x1. Mas toda história é assim: feita de vitórias e derrotas. Ele vai aprender isso. Espero que meu filho tenha as mesmas felicidades e viva as mesmas emoções que eu vivi e que continuo vivendo. Agora em Pituaçu, mas, logo logo, na Nova Fonte Nova. Se Deus quiser!
Uma nova história está começando. Você nasceu para vencer, filhão!