terça-feira, 25 de agosto de 2009

A Nudez Corporativa na Teoria e na Prática

Por Thomaz Wood Jr. - Carta Capital

"Em 2003, o espalhafatoso guru Don Tapscott publicou, em coautoria com David Ticoll, o livro The Naked Corporation. A obra registrava um fenômeno relevante: o avanço da tecnologia da informação havia permitido expor os desvios de comportamento das empresas, alastrando os problemas enfrentados por seus clientes e acionistas. De fato, a internet e suas crias – blogs, Orkut, Facebook, YouTube e Twiter – facilitaram a funcionários insatisfeitos, clientes irados e acionistas desconfiados espalhar suas frustrações. As consequências para as empresas podem ser trágicas. Solução recomendada pelo guru: abraçar a transparência e abrir as torneiras da informação. Resultados prometidos: funcionários comprometidos, clientes leais, imagem fortalecida e melhores resultados. Tapscott advogava que a nudez corporativa também estimularia comportamentos socialmente responsáveis, gerando maior retorno financeiro, reduzindo riscos e contribuindo para a perenidade dos negócios. Melhor, só em contos de fada.

Infelizmente, como é usual na teoria dos gurus, nem tudo que faz sucesso em seminários materializa-se com facilidade na realidade. Veja-se o caso da aquisição da Merrill Lynch, ex-estrela radiante da constelação dos bancos de investimento, pelo Bank of America, gigante do varejo bancário norte-americano. Conta a história William D. Cohan, nas páginas da revista The Atlantic. Em setembro de 2008, ápice tumultuado da crise econômica, o Bank of America concordou em assumir o controle da Merrill Lynch, uma das organizações mais comprometidas pela conjuntura. E pagou caro. O acordo foi anunciado por Ken Lewis, CEO do Bank of America. Com pompa e circunstância, ele declarou ser a aquisição uma grande oportunidade para os acionistas de sua instituição. Três meses depois, a situação da Merril Lynch havia se deteriorado a tal ponto que o Bank of America pensava em romper o pacto inicial. No fim de novembro, as perdas da Merrill Lynch haviam atingido a marca de 9 bilhões de dólares. No entanto, pressionado pelo governo norte-americano, o Bank of America manteve o acordo.

No dia 5 de dezembro, um encontro de acionistas votou a favor da operação. Nenhuma informação sobre a trágica situação da Merrill Lynch foi comunicada antes da votação. Segundo observadores, a falta de transparência de Ken Lewis pode ser considerada fraude. No fim de dezembro, as perdas da Merrill Lynch atingiram 15,3 bilhões de dólares. Em 1º de janeiro, o acordo final foi fechado, nos mesmos termos do acordo preliminar de setembro. Na oportunidade, Ken Lewis repetiu seu discurso otimista (ou delirante), mencionando o posicionamento único da nova organização, o qual permitiria “expandir nossa liderança em mercados em todo o mundo”. Em 2007, antes da crise e da aquisição, a ação do Bank of America oscilou entre 54 e 40 dólares.

No início de março de 2009, após o acordo, a cotação atingiu 3 dólares: uma destruição impressionante de valor. Para Cohan, o acordo foi prejudicial para a organização e para os seus acionistas, constituindo mais uma fábula sobre a “arrogância e a covardia executiva”. Terá exagerado na crítica? Deveria Lewis resistir à pressão do governo e desfazer o acordo? Difícil dizer. Executivos costumam enfrentar situações difíceis, assumir riscos e tomar decisões. São pagos, aliás, bem pagos para isso. Segundo dados do website Equilar, em 2008, a remuneração total de Lewis foi de 9.003.467 dólares. Razoável, não?

Hoje, uma das atividades mais desafiadoras dos executivos é gerenciar o grau de transparência, ou nudez (em linguagem de guru), das relações de suas empresas. Muitos deles armam-se de hostes de relações públicas, consultores de imagem, especialistas em marca e comunicação. Eles procuram fortalecer a imagem institucional da empresa, refinam seus discursos e apresentam-se para a mídia de negócios como paladinos das boas causas. A mídia não se faz de rogada e reproduz, de bom grado, seus feitos e fotos.

Porém, parecer transparente não é o mesmo que ser transparente. Ser transparente significa identificar claramente os grupos que interagem com a empresa e construir relações abertas, condizentes com as demandas desses públicos e, naturalmente, os interesses da própria organização. Fechar-se em copas não é opção. Fabricar transparência pode ser perigoso. Por outro lado, a nudez total pode colocar a empresa em situação de vulnerabilidade. O desafio, como noutras coisas tantas da vida corporativa, é encontrar um fugidio ponto de equilíbrio, processo que emerge da consciência das mudanças e da coragem para enfrentar dilemas e fazer escolhas."

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